quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Estradas de Portugal: fraudes e soluções

 
 
A Estradas de Portugal foi mandatada pelo Governo para renegociar sete subconcessões rodoviárias, a fim de atingir uma poupança nominal superior a dois mil milhões de euros nos próximos 30 anos, o prazo dos acordos assinados com as concessionárias.

Vamos já na quarta renegociação de Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias. Depois das poupanças conseguidas nas subconcessões do Pinhal Interior (485 milhões de euros), da Autoestrada Transmontana (81 milhões de euros) e das Autoestradas do Litoral Oeste (48 milhões de euros), foi a vez da Autoestradas do Baixo Tejo (241 milhões de euros).

Renegociar os contratos de forma a reequilibrar o risco e as rendas pagas poderá ser um caminho, ainda que anteriormente o Estado tenha demonstrado ser incompetente nesse tema.

A verdade é que as 36 parcerias público-privadas (PPP) custam ao Estado 11,7 mil milhões de euros, e que cerca de 74% desta factura correspondem às concessões rodoviárias, cujos encargos estão estimados em cerca de 8,7 mil milhões de euros.

Mas façamos uma análise às recentes alterações no contexto do sector rodoviário para perceber o real impacto que estas medidas podem vir a ter e o que nos levou a este ponto tão crítico:

Face ao aperto financeiro e face ao plano de pagamentos, a ideia do Governo foi terminar com a lógica das estradas sem custos diretos para o utilizador e fazer dele pagante direto por via da cobrança de portagens. A questão que agora se coloca: está a valer a pena?

Tendo em conta as notícias que vão surgindo, creio que não.

Jornal de Negócios: Auto-estradas portajadas em Dezembro perderam 14 mil viaturas por dia.

Jornal “i”: Nem a A1, a mais movimentada auto-estrada do país, escapa à queda generalizada do tráfego que no primeiro semestre foi de 14%.

Conhecendo o impacto que esta realidade, conjuntamente com a atual crise económica, está a ter ao nível do tráfego, temo que sejam descurados custos como a degradação das estradas secundárias.

Submetidas a uma utilização muito mais intensa do que o previsto, particularmente por veículos que lhe provocam grande desgaste (como é o caso dos pesados de mercadorias). Foram estes custos de manutenção considerados? Não creio.

O cenário que actualmente temos é, então:
  • Menos tráfego, e consequentemente, escassas receitas nas Ex-SCUTS;
  • Autoestradas transformadas em vias de luxo pelos altos preços de portagem praticados, logo com menos utilizadores;
  • Utilização massiva das vias secundárias, aumentando com isso custos de manutenção e a sinistralidade.
Ora perante isto, seria inteligente tentar algo novo que melhorasse os resultados atuais.
 
Se definirmos como objetivo mínimo estabilizar as receitas atuais, podemos testar uma redução generalizada dos preços e a prática de programas de descontos para os utilizadores frequentes – ex: a partir da 5 passagem passa a pagar apenas 75%, ao final de 10 apenas 50%, e ao final de 15 apenas 25%.
 
Reduzir estes custos, no atual contexto, promove maior competitividade nas empresas, dando-lhes mais hipótese de sobreviverem e singrarem.
 
De forma a apoiar também o sector do turismo propunha terminar com aqueles postos de cobrança aos estrangeiros junto às fronteiras, algo que só dá imagem do povo português e afasta consumidores dos comércios locais, primeiros e principais afectados.
 
Mas o que fez o Governo? Apenas renegociou as concessões.
 
Os 705 milhões de euros já obtidos nos acordos de revisão das subconcessões de Pinhal Interior, Transmontana, Litoral Oeste e Baixo Tejo (onde se poupou devido a menos investimento em construção e menos custos em manutenção), estão ainda longe dos objectivos de redução de encargos do governo e da Estradas de Portugal.
 
Acresce o facto de o corte de cerca de 11% dos encargos totais com as concessões rodoviárias ter um impacto nulo no próximo ano em termos de contas públicas, isto porque os pagamentos das subconcessões só começam em 2014.
 
Se o objectivo é que 70% a 80% da “poupança” venham das Scut, onde as atenções estarão centradas na optimização da operação e na revisão dos casos base ajustados ao tráfego real, que na maioria das situações é inferior ao previsto (estas previsões governamentais são sempre certeiras), porque ainda não se adoptaram medidas adequadas?
 
Deixo agora uma sequência de excertos de notícias, comunicados e do Relatório elaborado pelo Tribunal de Contas, para se entender o que foi e anda a ser feito pelo Governo. Se estão a fazê-lo bem ou mal, fica ao critério de cada um, mas é impossível negar a incompetência em certas questões:
 
Agência Financeira, 31 de Maio de 2012:
"Os juízes denunciam que o Tribunal de Contas foi enganado para aprovar as novas autoestradas porque o anterior governo escondeu acordos ilegais, feitos com bancos e concessionárias, no valor de 700 milhões de euros."
 
Governo de Portugal, 23 de Maio de 2012:
"O Governo fez uma proposta de corte de 30% nos pagamentos contratados com as concessionárias das ex-Scut, o que permitirá poupar «mais de 4 000 milhões de euros durante a vida dos contratos"
 
Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas:
“A negociação destes contratos, tendo em vista a introdução de portagens reais, veio implicar uma alteração substancial do risco de negócio, garantindo às concessionárias um regime de remuneração mais vantajoso, imune às variações de tráfego, traduzindo-se, na prática, numa melhoria das suas condições de negócio e de rendibilidade acionista em comparação com outras PPP [parcerias público-privadas] rodoviárias (em regime de disponibilidade)”
 
Dinheiro Vivo, 31 de Maio de 2012:
O Tribunal de Contas considera que a alteração do modelo de gestão e financiamento do setor rodoviário aumentou o contributo do “cidadão/contribuinte” para sustentar este sistema.
 
Governo de Portugal, 23 de Maio de 2012:
“ao contrário da diabolização que às vezes se tenta fazer dos concessionários, este Governo não tem encontrado resistência na procura de soluções que nos permitam garantir a poupança para o Orçamento de Estado”
 
Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas:
"o Estado aceitou assumir os prejuízos das concessões em regime de portagem real que eram da responsabilidade das concessionárias”

“os pagamentos que a Estradas de Portugal (EP) irá efectuar às concessionárias serão, fundamentalmente, sustentados pela CSR e pela dívida remunerada da EP, que necessita do aval do Estado, ou seja, dos contribuintes”.

 “as subconcessões da EP e as ex-Scut continuarão a ser, em parte, pagas pelos contribuintes e não totalmente pelos seus utilizadores, dado que as receitas de portagem estimadas na concessões ex-Scut rondarão apenas 30% a 40% dos respetivos custos totais”
 
Agência Financeira, 31 de Maio de 2012:
"O TC afirma ainda que existem, normalmente, «benefícios sombra» em alguns contratos. Custos de operação inferiores aos estimados inicialmente no caso base (representa a equação financeira com base na qual é efetuada a reposição do reequilíbrio financeiro), devido a reduções de procura ou a adiamentos de planos de manutenção; taxas de inflação reais superiores às previstas no caso base e impostos reais inferiores aos previstos no caso base são exemplos de casos citados."

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