domingo, 5 de agosto de 2012

O culto da distopia





A lengalenga tem ganho força nos últimos tempos. Vivemos acima das nossas possibilidades, dizem. O culto da pobreza, tão em voga nos tempos do salazarismo (não quero com isto fazer comparações noutros patamares) voltou em força. As personalidades que a invocam vão desde o Presidente da República, passando por António Borges (que falará por experiência própria) e culmina agora no Presidente da Associação Comercial de Lisboa, Bruno Bobone.


O dirigente da ACL assina no jornal Sol de 3 de Agosto de 2012, um artigo de opinião com o sugestivo nome de “Já não estamos em crise!”. Diz Bruno Bobone que “a situação de crise não é mais do que uma nova realidade em que temos de aprender a viver”, chegando a contar um episódio em que um diplomata sul-americano fica maravilhado com as infra-estruturas que encontrou no continente europeu. Diz, veladamente, que os europeus se queixam mas que têm um nível de vida que “ainda se mantêm acima do nível da maioria dos restantes no mundo”. Vejo nas palavras deste senhor um espírito que se tem acentuado, ultimamente, um pouco por toda a Europa. Chamo-lhe o culto da distopia. Um continente que, no pós-guerra, pautou por querer criar um modelo civilizacional progressista, invejado em todo o mundo (prova disso é o fluxo migratório de outros continentes para a Europa), está agora a ver-se dominado por pessimistas nada inocentes. Ansiando por um regime ao estilo chinês, em que as empresas prosperam e os trabalhadores desesperam, inundam a comunicação social com falsas premissas da vida abastada que os europeus (ou os portugueses) têm levado.


Bastará a estes senhores colocarem os pés fora do seu escritório para perceberem onde nos leva esta “nova realidade”. Com o desemprego a ultrapassar os 15%, jovens a trabalhar com contractos precários e pensionistas a viverem com reformas que muitas vezes não ultrapassam os 300 euros, vemos, lentamente, a morte de um ideal. A Europa do “Welfare State”, regida por critérios de bem-estar social desaparece lentamente. Têm toda a razão alguns comentadores, filósofos, economistas e políticos quando dizem que o cerne desta crise não é financeira, nem económica. É sim de valores. E isso, torna-a muito mais perigosa.


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